Engraçado como a história se repete. Ou talvez não... Cem anos depois do milagre de Fátima, e num só dia, o Papa esteve em Portugal, o Sport Lisboa e Benfica sagrou-se tetracampeão nacional de futebol, e, surpresos, admitamo-lo todos (ainda que por uma sistémica descrença nacional), ganhámos a Eurovisão. Para mim, contudo, as duas vitórias não foram surpresa... talvez devesse começar a apostar online.
Toda esta conjugação de eventos poderia ser apenas uma coincidência, ou algo de divino. Mas não, cá para mim, não foi uma coisa nem outra, pois a energia anímica vertida sobre a sociedade portuguesa, derivada do primeiro dos três factos, potenciou os outros dois. E interpreto que o Benfica alcançar o "tetra", até seria expectável, mas o Salvador (e lá está a simbologia messiânica do nome, para mais a 13 de maio de 2017) vencer a Eurovisão, caros crentes... desabafem e assumam que isto pode ser considerado milagroso. Talvez seja a reedição dum hipotético milagre que sucede de cem em anos, neste dia, deste mês. E é também curioso que em 1917 as aparições foram largamente adoradas (e instrumentalizadas) na Rússia, em ano de revolução bolchevique, e que à época englobaria Kyiv, (cujo território estaria contudo em disputa) e agora, sucede a vitória do concurso da Eurovisão numa simetria inversa.
Portugal é hoje em dia, ainda que de um modo escamoteado, um dos países mais católicos e religiosos, do mundo. Pelo que o vigor de um estado laico por cá é questionável. Talvez se verifique um pouco, porque as leis assim o ditam, ou até porque o primeiro-ministro descende de hindus, e esse respeito por esta diversidade transmitir-se-á, em parte, na pesada estrutura vertical da sociedade portuguesa. Lembremo-nos também que Portugal tem a cruz de Cristo estampada seis vezes na sua bandeira... No fundo, a explicação para esta pseudo-laicidade, reside em, por um lado, o "estado laico" ser um princípio republicano francês e em, uma vez mais, termos copiado um conceito legal sem perceber a sua validade por cá, e, por outro lado, em Portugal a religião ser tão estruturante à população, que então, restar-nos-á aceitar esta extrema e inevitável religiosidade, ou partir para outro lugar. Pois não acredito em milagres.
Fotografia: Sintra.