Ainda hoje me espanto com a ideia de que a mil e quinhentos quilómetros a oeste da costa continental portuguesa, existe um outro Portugal. Uma outra dimensão do país que é, inesperadamente, uma extensão ou realidade paralela, nunca deixando de ser parte do todo. Os Açores são um Portugal tão português quanto o restante, mas que de um modo tão surpreendente quanto interessante, aportam uma diversidade, dimensão e profundidade únicas ao país, afinal não somente, à beira-mar plantado.
Aterrar no aeroporto da ilha de São Miguel, João Paulo II, é um momento belo e apreciável, pela paisagem viva e verdejante envolta, que ornamenta os vários promontórios que avistamos, assim como pela cidade de Ponta Delgada aposta, que nos enche a vista quando lá aterramos ou levantamos voo. Chegados, dá-se outro valor ao aeroporto Humberto Delgado, mais sofisticado, complexo e portentoso, como não poderia o deixar de ser também, pela sua localização na capital. Em oposição, nestas ilhas atlânticas não passam tantos voos, mas não deixa de haver uma estrutura aeroportuária funcional, agradável e aconchegante, que nos acolhe no início da viagem.
Quando lá voei, ia abrir, a potenciais compradores, a porta de uma casa que estava à venda. E isto no lado oposto da ilha, a Ponta Delgada, o que me permitiu então calcorrear uma parte do seu território. Fui até Santo António, a Calhetas, onde pelo caminho, em Capelas, pude vislumbrar uma formação rochosa na recortada encosta da ilha, e que ao longe se confundia com o perfil de um elefante a distender a tromba à água oceânica. Depois seguiram-se os Fenais da Luz, assim como a freguesia de Rabo de Peixe, onde sobressaíam a pobreza, o consumo de droga e, em última análise, a degradação da vida, sendo estatisticamente aquela a freguesia mais pobre do país. De seguida, pude conhecer as furnas, junto à Lagoa do Fogo. E se a intensidade da clorofila por lá é distinta, e se esta cor é símbolo de esperança, então por lá mais haverá. Por várias vezes, nesta ilha, dava por mim a recordar-me da Irlanda, e do intenso e carregado manto de relva que a cobria. Os Açores lembram-nos disto.
Outro mistério que pude desvendar nesta ilha, é o sotaque micaelense. De onde virá este fechamento arredondado das vogais, impelido por um contorcionismo vocal das sílabas? Vem da França, pasme-se! Pois, no início da colonização desta ilha vieram vários franceses para a povoar, em conjunto com os portugueses. Outras ilhas, por terem sido colonizadas de outras formas, por exemplo a do Faial, que foi por portugueses e holandeses, deram origem a sotaques distintos neste arquipélago (e tudo isto, em última análise, comprova as teorias de Darwin...).
No regresso a Lisboa, passaria pela Terceira mas devido ao mau tempo no Atlântico (indicava a metereologia), fomos obrigados a pernoitar pelas ilhas. Numa oportunidade única e imprevisível, cruzei-me no hotel pago pela companhia aérea, com o companheiro de causas sociais, o Tito de Morais. Mesmo tão distantes do continente, haveríamos de nos encontrar, a caminho do pequeno-almoço, nos preparos finais para ele ir para a escola onde iria prelecionar, e eu para ir até às Lajes, a caminho de casa. Nesta estadia inesperada, foi também possível calcorrear a Praia da Vitória, que até então apenas conhecia da avenida do Saldanha, onde anos a fio, adorava ir ver os filmes de bollywood e os ciclos da Zero em Comportamento, no já encerrado Cine-estúdio 222. Nesta vila, o sotaque era já padronizado, que tamanha alteridade para o que ouvira horas antes em S. Miguel, me deixou tão curioso e atento, quanto amalgamado. Nesta terra insular, é comum ouvir os locais vangloriarem-se de ser aquele o lugar, durante os últimos cinco séculos, mais português foi, pois aquando da ocupação filipina no continente, o então rei, ainda que por pouco tempo, D. António (Prior do Crato) instalou-se na Terceira, tendo mesmo lá sido instalada a Casa da Moeda. O nome Praia da Vitória, é, também ele, devido a um outro singular episódio da nossa história coletiva, no qual, os liberais liderados por D. Pedro, fizeram sucumbir as tropas absolutistas, do seu irmão D. Miguel. A batalha ocorreu lá, e saindo vitoriosos os primeiros, que depois reinaram o país, ficou assim o nome da localidade.
Os Açores são ilhas diversas, inesperadas e que nos sublimam os sentidos. Compostos por paisagens vivas, feitos de história, e de um sentimento díspar pela terra e pelo mar, são um novo país dentro de Portugal, e agora tanto ao mundo descerrados, que devem ser conhecidos, porque estão ali para nós, no meio do mar, plantados.