terça-feira, 2 de junho de 2015

Activistas - Parte II

ACTIVISTAS - Cimeira da guerra.

História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.

Parte 2 de 6
Quartel d@s Activistas


O mês era de Setembro e o ano de 2010. Os primeiros a chegar a Lisboa vinham da Bélgica, numa antiga carrinha branca da popular e famosa marca
Volkswagen. Eles eram extremamente afáveis e simpáticos. A An e o Bart, e a princípio estranhara logo por que vinham apenas duas pessoas. A explicação era simples e residia na carga que traziam consigo, onde se encontravam computadores, prospetos empilhados, posters ainda enrolados em tubos e ainda a cheirar a tinta da gráfica. Sempre pela paz e sempre contra a guerra, claro. Contudo, destes materiais todos, fixei-me em especial num enorme rolo de fita, do género dos separadores utilizados para demarcar as áreas de um crime pelas equipas forenses. Mas nesta fita estava inscrito em letras garrafais: NATO GAME OVER. As palavras repetiam-se vezes sem conta, naquele rolo interminável. O espírito das próximas horas vividas no seio dos e das activistas e durante toda a cimeira no Parque das Nações, iria ser exactamente esse. NATO, já chega de brincadeiras.

Fomos directos para Xabregas, onde o Quartel Activista estava a ser montado. E como prova do valor daquele campo, já por ali se avistavam carros com indivíduos sozinhos de chapéu e óculos escuros, sentados no seu interior, parados durante horas em frente ao campo dos activistas. Várias vezes eu regressava a casa, e um desses carros vinha atrás de mim. Desde o Braço de Prata em Marvila até Sete Rios, Benfica. Não me parecia muito sinceramente que fosse apenas uma coincidência. Ilegal, sim, lá isso era.

O armazém de sete metros de altura e largas dezenas de metros de comprimento, a poucos dias do início da cimeira, não sabia ainda o seu destino. O grande portão metálico na entrada do galpão separava o nosso mundo de valores e ideais, do calmo e recôndito bairro do Poço do Bispo, na capital portuguesa. Às largas dezenas de nós que lá chegaram naquele dia de Outono, juntaram-se outros mais nos dias seguintes. Elas e eles vinham de toda a Europa. Da Polónia, Holanda, França, Espanha, Itália e claro, de vários pontos de Portugal. Os Serviços Secretos já sabiam da sua chegada. Nós, portugueses já tínhamos também sido detectados.

As fronteiras do país foram encerradas temporariamente e todas pessoas tinham que apresentar um passaporte na fronteira, uma prática que estava à margem da lei e contra o Acordo Schengen. No mínimo, era revoltante que as polícias europeias pudessem agir assim perante os seus cidadãos. Vários grupos de activistas ficaram retidos na fronteira de Elvas-Badajoz, e mandados de volta para a sua proveniência. Como é que esta suposta organização NATO quer defender e apregoar a paz, com estas atitudes de fechamento de fronteiras, de bloqueio à circulação de pessoas, sempre à margem de acordos internacionais? Que prepotência, insensatez, e que falta de sensibilidade para governar, comandar ou planear o que quer que seja.

OccupyMN - CC BY

No interior do nosso quartel, já cheirava a jantar. A equipa holandesa, regressara de uma ronda pelo Beato e pelo Braço de Prata à procura de alimentos reciclados do lixo e de restaurantes. Esta refeição gratuita serviria para a centena de nós que ali pernoitava, nas vésperas daquela cimeira que ia decidir os caminhos da guerra no mundo, durante os próximos cinco anos.

Katerina, polaca de trinta e poucos anos de idade, devota à causa pacifista por uma boa parte da sua vida, circulava atarefada pelo corredor principal do espaço, para ir repor o Manual do Activista na mesa de informações, colocada logo por detrás da porta de entrada daquele antigo armazém de torrefação de café. Tal como ela, éramos todos voluntários. Junto à entrada no corredor, estava a denominada “Sala de Trauma”, onde se podia a qualquer momento, conversar com alguém licenciado em psicologia, sobre as experiências mais vincadas de um dia de confrontos com a polícia, ou de interrogatórios judiciais. Muitas vezes as batalhas não eram mais do que intimidatórias, frias e psicológicas. Talvez isso explicasse a tamanha afluência que vi àquele espaço de aconselhamento. Uma dezena de jovens, apenas no primeiro dia de manifestações.

Além do espaço que a equipa holandesa arrendara com o financiamento de uma associação não governamental de Amesterdão, explorámos as galerias infindáveis que se estendiam naquele complexo fabril que ocupava todo o quarteirão do Braço de Prata. Com uma boa dose de magia e suspense, sempre se abria a passagem de umas salas para as outras. A antiga fábrica de tomate enlatado conduzia a uma central eléctrica com um enorme painel de controlo fabril de dois grandes manípulos e várias luzes vermelhas de controlo. Os incontáveis tanques de processos industriais, erguidos a dezenas de metros de altura, estavam todos interligados por escadas de metal. Tudo isto era estanho e sinistro. Ao passar pelos átrios, percebemos que já lá estiveram outros antes de nós, pois levaram consigo o cobre.

O rapaz que fazia escalada da equipa francesa, passou os cabos pelas estruturas de ferro que aguentavam o tecto de zinco que nos cobria. Eu ligava a tomada e fazia-se luz. Agora os computadores do teatro de operações estavam ligados à internet. A imprensa internacional aguardava expectante os mails e telefonemas que lhes faríamos chegar ao longo dos próximos dias, para divulgarem as nossos conquistas. O prato vegetariano estava pronto, e logo seguia-se a Assembleia Geral de Activistas.

Continua...


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"ACTIVISTAS - Cimeira da guerra."
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.