quinta-feira, 4 de junho de 2015

Activistas - Parte IV

ACTIVISTAS - Cimeira da guerra.

História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.

Parte 3 de 6

Dia A”, de Activismo


Sábado, 25 de Setembro de 2010, era chegado o momento. O plano estava desenhado para o dia “A” de acção, e o objectivo era bloquear, impedir ou mesmo somente atrasar a concretização daquela cimeira maquiavélica. Para tal levávamos connosco material activista: correntes metálicas, algemas, tubos de plástico, um balde de tinta vermelha, muita energia interior e um espírito de equipa inamovível. Também importante um pequeno livrinho de bolso com várias instruções que devíamos seguir em caso de sermos detidos preventivamente e interrogados.

A manhã estava ainda a raiar, pelas oito e trinta do dia de Outono, e nós já estávamos a caminhar rumo ao cruzamento onde sabíamos de ante-mão por informadores na organização da cimeira, que iriam passar as viaturas oficiais dos principais protagonistas do circo de guerra montando na capital portuguesa durante dois dias.

Iolanda, Marcos, Sara, Maria, João, André, Catarina, Bart, e o Vítor. Cada um com as suas funções definidas. Falávamos pouco até chegar ao local. Mas estávamos focados em pleno no que estávamos prestes a fazer. Sabíamos também as consequências que eventualmente iríamos sofrer. Mas a defesa pela preservação da paz era mais importante. E claro, queríamos tão somente ser ouvidos. Nós, habitantes do planeta, indivíduos e seres humanos, estávamos e estamos terminantemente contra a guerra, a violência e o massacre, e aquela manhã era a forma de exprimirmos o conteúdo activista e humano que flamejava dentro de nós.

Ao chegar ao local, pelas nove e trinta, ao cruzamento entre a Avenida Gomes da Costa com a avenida que perpendicularmente levaria as viaturas até ao término da Avenida de Berlin, junto à Gare do Oriente. Aí, ainda no passeio, e ensolarados pelos raios da manhã de acção, tirámos as correntes, cadeados e algemas que levávamos na mochila. Durante as próximas duas horas íamos ficar agrilhoados uns aos outros, com o objectivo de bloquear a estrada e consequentemente atrasar a chegada dos chefes-de-estado ao evento que decorria então no Parque das Nações.

Quando nos sentássemos na estrada, íamos ficar com uma pessoa de cada lado à qual estenderíamos o braço, e à qual nos estávamos a acorrentar. Antes disso, a Iolanda tinha já lançado um balde com dez litros de tinta vermelha sobre o alcatrão do cruzamento, simbolizando o sangue das vítimas inocentes das apregoadas guerras pela paz, levadas a cabo pela NATO.

Já chega de guerras”, pensávamos todos desde que começámos a caminhada no quartel de madrugada, e de repente um de nós, o André começou a gritar. “NO MORE WAR!”. E a repetir o frase com uma cadência cada vez mais intensa. Em poucos segundos já estávamos tod@s nós, nove activistas a cantar em uníssono, aquele slogan pela paz.

Ao meu lado estava a Maria e do outro lado o Marcos. Já sentados no centro do cruzamento, sobre a tinta vermelha borrada na matiz escura, densa e opaca do macadame, formávamos um círculo de pessoas. As nossas pernas ficavam para fora, como precaução adicional para qualquer eventual carga policial do exterior do círculo. Poderíamos ter que espernear para a Polícia, caso nos atacasse à margem da lei e sem aviso prévio. As nossas costas estavam voltadas para o interior daquela pequena fortaleza de humanidade e reflexão sobre a paz no mundo. Quando a Maria me estendeu o braço dela com a sua mão no interior de um tubo de plástico PVC, inseri a minha mão primeiro e de seguida o meu braço naquele cilindro oco, para então procurar a sua mão e agarrá-la. Depois prendi-a à corrente que tinha já fixado a uma algema no meu braço. Assim estávamos fixos um ao outro no interior de um cilindro com volume suficiente para os nossos dois braços. Assim, sabíamos que quando a polícia ou segurança da NATO chegasse, eles não saberiam onde cortar o tubo, e que isso iria atrasar o nosso inimigo.

Roger Blackwell - CC-BY 2.0 - Unchanged

Com o Marcos do meu lado direito fiz o mesmo procedimento, até que passados cinco minutos, os seis no círculo estávamos ligados em série. No quartel activista, a An da Bélgica e outros activistas já tinham realizado inúmeros contactos com a imprensa para assegurar a chegada célere e atempada ao local, por parte de jornalistas de confiança, que não iriam deturpar os factos da nossa acção. A presença de jornalistas durante o acto significava também uma maior garantia de que qualquer interposição policial fosse feita sem recurso à violência.

Três de nós estavam fora do círculo, com a função de “Anjos”. Na noite anterior, na assembleia tínhamos deliberado em consenso que pelo menos dois activistas ficariam responsáveis por realizar a ponte de diálogo com a polícia, os jornalistas ou com qualquer transeunte a presenciar. A Catarina, a Sara e o Vítor ficaram com esse papel, e que depressa se revelou importante mas também ineficaz. Sentados no chão, e com o apoio dos “Anjos” gritávamos a uma só voz “NATO Game Over. No more War”. A repetição incessante deste chamamento trazia-nos sempre mais forças, ao mesmo tempo que atraía a atenção dos locais presentes naquele cruzamento de Lisboa, a uma hora matinal.


Cerca de dez minutos depois de termos dado inicio à acção, chegaram os primeiros jornalistas. E ainda bem que vieram antes da Polícia. Estes profissionais da comunicação foram contactados previamente pela equipa de relações públicas do Quartel Activista e eram merecedores da nossa confiança. Com alguma ironia, a rádio e a televisão estatais foram desprezadas, ainda que ali estivessem tão fisicamente perto, na mesma avenida e a escassas centenas de metros.

Continua...



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"ACTIVISTAS - Cimeira da guerra."
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.