ACTIVISTAS - Cimeira da guerra.
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Parte 3 de 6
“Dia A”, de Activismo
Sábado,
25 de Setembro de 2010, era chegado o momento. O plano estava
desenhado para o dia “A” de acção, e o objectivo era bloquear,
impedir ou mesmo somente atrasar a concretização daquela cimeira
maquiavélica. Para tal levávamos connosco material activista:
correntes metálicas, algemas, tubos de plástico, um balde de tinta
vermelha, muita energia interior e um espírito de equipa inamovível.
Também importante um pequeno livrinho de bolso com várias
instruções que devíamos seguir em caso de sermos detidos
preventivamente e interrogados.
A
manhã estava ainda a raiar, pelas oito e trinta do dia de Outono, e
nós já estávamos a caminhar rumo ao cruzamento onde sabíamos de
ante-mão por informadores na organização da cimeira, que iriam
passar as viaturas oficiais dos principais protagonistas do circo de
guerra montando na capital portuguesa durante dois dias.
Iolanda,
Marcos, Sara, Maria, João, André, Catarina, Bart, e o Vítor. Cada
um com as suas funções definidas. Falávamos pouco até chegar ao
local. Mas estávamos focados em pleno no que estávamos prestes a
fazer. Sabíamos também as consequências que eventualmente iríamos
sofrer. Mas a defesa pela preservação da paz era mais importante. E
claro, queríamos tão somente ser ouvidos. Nós, habitantes do
planeta, indivíduos e seres humanos, estávamos e estamos
terminantemente contra a guerra, a violência e o massacre, e aquela
manhã era a forma de exprimirmos o conteúdo activista e humano que
flamejava dentro de nós.
Ao
chegar ao local, pelas nove e trinta, ao cruzamento entre a Avenida
Gomes da Costa com a avenida que perpendicularmente levaria as
viaturas até ao término da Avenida de Berlin, junto à Gare do
Oriente. Aí, ainda no passeio, e ensolarados pelos raios da manhã
de acção, tirámos as correntes, cadeados e algemas que levávamos
na mochila. Durante as próximas duas horas íamos ficar agrilhoados
uns aos outros, com o objectivo de bloquear a estrada e
consequentemente atrasar a chegada dos chefes-de-estado ao evento que
decorria então no Parque das Nações.
Quando nos
sentássemos na estrada, íamos ficar com uma pessoa de cada lado à
qual estenderíamos o braço, e à qual nos estávamos a acorrentar.
Antes disso, a Iolanda tinha já lançado um balde com dez litros de
tinta vermelha sobre o alcatrão do cruzamento, simbolizando o sangue
das vítimas inocentes das apregoadas guerras pela paz, levadas a
cabo pela NATO.
“Já
chega de guerras”, pensávamos todos desde que começámos a
caminhada no quartel de madrugada, e de repente um de nós, o André
começou a gritar. “NO MORE WAR!”.
E a repetir o frase com uma cadência cada vez mais intensa. Em
poucos segundos já estávamos tod@s nós, nove activistas a cantar
em uníssono, aquele slogan
pela paz.
Ao
meu lado estava a Maria e do outro lado o Marcos. Já sentados no
centro do cruzamento, sobre a tinta vermelha borrada na matiz escura,
densa e opaca do macadame,
formávamos um círculo de pessoas. As nossas pernas ficavam para
fora, como precaução adicional para qualquer eventual carga
policial do exterior do círculo. Poderíamos ter que espernear para
a Polícia, caso nos atacasse à margem da lei e sem aviso prévio.
As nossas costas estavam voltadas para o interior daquela pequena
fortaleza de humanidade e reflexão sobre a paz no mundo. Quando a
Maria me estendeu o braço dela com a sua mão no interior de um tubo
de plástico PVC, inseri a minha mão primeiro e de seguida o meu
braço naquele cilindro oco, para então procurar a sua mão e
agarrá-la. Depois prendi-a à corrente que tinha já fixado a uma
algema no meu braço. Assim estávamos fixos um ao outro no interior
de um cilindro com volume suficiente para os nossos dois braços.
Assim, sabíamos que quando a polícia ou segurança da NATO
chegasse, eles não saberiam onde cortar o tubo, e que isso iria
atrasar o nosso inimigo.
Roger Blackwell - CC-BY 2.0 - Unchanged |
Com o Marcos do meu lado direito fiz o mesmo procedimento, até que passados cinco minutos, os seis no círculo estávamos ligados em série. No quartel activista, a An da Bélgica e outros activistas já tinham realizado inúmeros contactos com a imprensa para assegurar a chegada célere e atempada ao local, por parte de jornalistas de confiança, que não iriam deturpar os factos da nossa acção. A presença de jornalistas durante o acto significava também uma maior garantia de que qualquer interposição policial fosse feita sem recurso à violência.
Três
de nós estavam fora do círculo, com a função de “Anjos”. Na
noite anterior, na assembleia tínhamos deliberado em consenso que
pelo menos dois activistas ficariam responsáveis por realizar a
ponte de diálogo com a polícia, os jornalistas ou com qualquer
transeunte a presenciar. A Catarina, a Sara e o Vítor ficaram com
esse papel, e que depressa se revelou importante mas também
ineficaz. Sentados no chão, e com o apoio dos “Anjos” gritávamos
a uma só voz “NATO Game Over. No more
War”. A repetição incessante deste
chamamento trazia-nos sempre mais forças, ao mesmo tempo que atraía
a atenção dos locais presentes naquele cruzamento de Lisboa, a uma
hora matinal.
Cerca
de dez minutos depois de termos dado inicio à acção, chegaram os
primeiros jornalistas. E ainda bem que vieram antes da Polícia.
Estes profissionais da comunicação foram contactados previamente
pela equipa de relações públicas do Quartel Activista e eram
merecedores da nossa confiança. Com alguma ironia, a rádio e a
televisão estatais foram desprezadas, ainda que ali estivessem tão
fisicamente perto, na mesma avenida e a escassas centenas de metros.
Continua...
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João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
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