sexta-feira, 5 de junho de 2015

Activistas - Parte V

ACTIVISTAS - Cimeira da guerra.
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.


Parte 5 de 6

Porcos, incompetentes e maus


A chegada deles foi retumbante e violenta. As sirenes aproximavam-
-se de nós, dispostos no chão em círculo, agrilhoados e unidos entre nós por ferros metálicos dentro de tubos de plástico. Tínhamos a suspeita de que a polícia portuguesa não saberia lidar com esta situação,
por ser inédita no país.

O som projectado dos altifalantes no topo das carrinhas azuis da polícia, que deslizavam pela Avenida Gomes da Costa abaixo, ia sendo distorcido pelo efeito Doppler, à velocidade incessante e exagerada a que se deslocavam. Só pensava para comigo que era ridícula a postura da Polícia, sempre se desresponsabilizar para dar o exemplo aos restantes cidadãos. A atitude de eles próprios violarem tantas vezes, por exemplo, os limites de velocidade, mesmo quando em marcha de emergência. Chegaram com rapidez e não era o corpo policial comum, mas sim o corpo de intervenção. E que despreparados se mostraram para uma situação destas. Fomos nós os primeiros, que nos sacrificámos. Depois desta acção as supostas autoridades poderiam aprender algumas lições.

A primeira carrinha travou a fundo quando seguia ainda em velocidade, bem no centro do cruzamento. O Vítor e a Sara, os nossos “Anjos” foram a correr ter com eles para lhes explicar o intuito daquela acção. A Catarina estava a falar com os jornalistas ao mesmo tempo que lhes ia dando indicações para se moverem no cruzamento, de modo a conseguirem filmar a actuação, que se revelaria violenta da Polícia. Nós, sentados no chão, firmes uns nos outros e sempre de cabeça erguida, olhávamos de frente sempre que os polícias passavam à nossa frente. Chegou outra carrinha ao cruzamento, com um guinchar de travagem atabalhoada e descontrolada. Eram já cerca de trinta polícias equipados com capacetes. Às tantas, o Marcos grita para os Polícias acabados de chegar: Queres ver que ainda vão trazer os blindados que andam a gastar com o dinheiro dos nossos impostos.” O momento era de tensão mas esta frase de escárnio e ridicularização foi recebida com aplausos dos locais transeuntes que também olhavam para o aparato ali montado.

Cinco dos polícias aproximaram-se do círculo com o intuito claro de o desfazer, sem sequer terem pensado o que seria que nos estava a ligar. Agarraram a Maria, talvez por ser a mais frágil do grupo, e tentaram levá-la para fora do círculo. O meu braço foi de imediato arrastado para cima e para fora sentindo uma dor devido à tensão provocada nas correntes como antes nunca sentira. A Maria depressa gritou “Estamos ligados com ferros. Estamos ligados com ferros.”, o que os cinco polícias nem sequer ouviram. Como resultado imediato, todos nós seis no círculo fomos de repente arrastados pelo chão dois metros em direcção às carrinhas.

Espera lá que isso não é assim!” Veio a correr até nós, um dos polícias que estava a dialogar com a Sara e o Vítor. Boquiabertos, os restantes perceberam que isto era algo que os transcendia. Dois deles ainda continuaram a insistir que o corpo da Maria milagrosamente se soltasse do círculo, ao que ela, eu e o André voltámos a gritar “Estamos ligados com ferros!” Mas foi insuficiente, pois dessa vez a Maria esbracejou demasiado e revelando um semblante de desalento e dor. “Estou a sentir algo de errado no meu corpo. Acho que parti o braço esquerdo.”

Enquanto dez polícias conferenciavam como iriam resolver aquele imbróglio, nós continuávamos no chão, já lesionados mas firmes na nossa convicção de bloquear a cimeira da morte. A Catarina já relegava os media para segundo plano, para em vez disso nos trazer água, dando-nos de beber à boca, enquanto a exaustão, a tensão psicológica e o sol daquele dia, nos desidratavam. Já eram onze da manhã. Infelizmente, a resposta das forças foi demasiado rápida e dolorosa. Doze polícias vieram a marchar até nós, cada um deles agarrou-nos por um braço, na zona axilar, um de cada de lado. Dois para cada activista, e com algum sincronismo, gritaram os doze ao mesmo tempo que nós esperneávamos inconformados e resistentes. “Vá pessoal, três, dois, um. Levantem!”

Fomos levados até à carrinha, onde eles primeiro rebateram os assentos. Mesmo assim, com esta réstia de pensamento, durante o trajecto de cinquenta metros até às carrinhas, os nosso braços, mãos e ombros foram forçados a aguentar as deformações e tensões do tubo de plástico, dos ferros, do cavalgar mal sincronizado dos polícias. Nesse momento, continuámos a gritar: NO MORE WAR. NATO GAME OVER”. A comunicação social, filmou-nos em uníssono naquele momento de resistência. Na carrinha, estava com os braços tão esticados e os tubos tão para dentro que estava a sangrar. Sentia o sangue que escorria pelo tronco abaixo. Outros activistas estavam tão confinados ao espaço da parte traseira da carrinha e mal acomodados, que batiam com o seu corpo e a cara no vidro da carrinha. O momento por nós ali vivido era uma desumanidade.

Fomos levados para a esquadra do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, ou COMETLIS, como também se dizia, fomos encalacrados numa cela colectiva durante dez horas. A reflexão sucedânea a toda aquela manhã era inevitável. A polícia não obstante as suas vestes próprias para filmar a nova sequela do Robotcop, estava despreparada para cimeira internacional. Mesmo com os milhões gastos para comprar os blindados com dinheiros do erário público, que nem sequer antes nem durante o decorrer da cimeira. Chegaram depois da cimeira. Os polícias não souberam ouvir, não souberam agir, não conseguiram pensar, nem tão pouco proteger a integridade física das pessoas que ali se manifestavam pela paz no mundo.


Continua...



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"ACTIVISTAS - Cimeira da guerra."
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.