ACTIVISTAS - Cimeira da guerra.
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.
Parte 5 de 6
História Ficcional
João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
Alguns Direitos Reservados. CC by-nc-nd.
Parte 5 de 6
Porcos, incompetentes e maus
A
chegada deles foi retumbante e violenta. As sirenes aproximavam-
-se de nós, dispostos no chão em círculo, agrilhoados e unidos entre nós por ferros metálicos dentro de tubos de plástico. Tínhamos a suspeita de que a polícia portuguesa não saberia lidar com esta situação, por ser inédita no país.
-se de nós, dispostos no chão em círculo, agrilhoados e unidos entre nós por ferros metálicos dentro de tubos de plástico. Tínhamos a suspeita de que a polícia portuguesa não saberia lidar com esta situação, por ser inédita no país.
O
som projectado dos altifalantes no topo das carrinhas azuis da
polícia, que deslizavam pela Avenida Gomes da Costa abaixo, ia sendo
distorcido pelo efeito Doppler,
à velocidade incessante e exagerada a que se deslocavam. Só pensava
para comigo que era ridícula a postura da Polícia, sempre se
desresponsabilizar para dar o exemplo aos restantes cidadãos. A
atitude de eles próprios violarem tantas vezes, por exemplo, os
limites de velocidade, mesmo quando em marcha de emergência.
Chegaram com rapidez e não era o corpo policial comum, mas sim o
corpo de intervenção. E que despreparados se mostraram para uma
situação destas. Fomos nós os primeiros, que nos sacrificámos.
Depois desta acção as supostas autoridades poderiam aprender
algumas lições.
A
primeira carrinha travou a
fundo quando seguia ainda em
velocidade, bem no centro do cruzamento. O Vítor e a Sara, os nossos
“Anjos” foram a correr ter com eles para lhes explicar o intuito
daquela acção. A Catarina estava a falar com os jornalistas ao
mesmo tempo que lhes ia dando
indicações para se moverem no cruzamento, de modo a conseguirem
filmar a actuação, que se revelaria violenta da Polícia. Nós,
sentados no chão, firmes uns nos outros e sempre de cabeça erguida,
olhávamos de frente sempre que os polícias passavam à nossa
frente. Chegou outra carrinha ao cruzamento, com um guinchar de
travagem atabalhoada e descontrolada. Eram já cerca de trinta
polícias equipados com capacetes. Às tantas, o Marcos grita para os
Polícias acabados de chegar: “Queres
ver que ainda vão trazer os blindados que andam a gastar com o
dinheiro dos nossos impostos.” O momento era de tensão mas esta
frase de escárnio e ridicularização foi recebida com aplausos dos
locais transeuntes que também olhavam para o aparato ali montado.
Cinco
dos polícias aproximaram-se do círculo com o intuito claro de o
desfazer, sem sequer terem pensado o que seria que nos estava a
ligar. Agarraram a Maria, talvez por ser a mais frágil do grupo, e
tentaram levá-la para fora do círculo. O meu braço foi de imediato
arrastado para cima e para fora sentindo uma dor devido à tensão
provocada nas correntes como antes nunca sentira. A Maria depressa
gritou “Estamos ligados com ferros. Estamos ligados com ferros.”,
o que os cinco polícias nem sequer ouviram. Como resultado imediato,
todos nós seis no círculo fomos de repente arrastados pelo chão
dois metros em direcção às carrinhas.
“Espera
lá que isso não é assim!” Veio a correr até nós, um dos
polícias que estava a dialogar com a Sara e o Vítor. Boquiabertos,
os restantes perceberam que isto era algo que os transcendia. Dois
deles ainda continuaram a insistir que o corpo da Maria
milagrosamente se soltasse do círculo, ao que ela, eu e o André
voltámos a gritar “Estamos ligados com ferros!” Mas foi
insuficiente, pois dessa vez a Maria esbracejou demasiado e revelando
um semblante de desalento e dor. “Estou a sentir algo de errado no
meu corpo. Acho que parti o braço esquerdo.”
Enquanto
dez polícias conferenciavam como iriam resolver aquele imbróglio,
nós continuávamos no chão, já lesionados mas firmes na nossa
convicção de bloquear a cimeira da morte. A Catarina já relegava
os media
para segundo plano, para em vez disso nos trazer água, dando-nos de
beber à boca, enquanto a exaustão, a tensão psicológica e o sol
daquele dia, nos desidratavam. Já eram onze da manhã. Infelizmente,
a resposta das forças foi demasiado rápida e dolorosa. Doze
polícias vieram a marchar até nós, cada um deles agarrou-nos por
um braço, na zona axilar, um de cada de lado. Dois para cada
activista, e com algum sincronismo, gritaram os doze ao mesmo tempo
que nós esperneávamos inconformados e resistentes. “Vá pessoal,
três, dois, um. Levantem!”
Fomos
levados até à carrinha, onde eles primeiro rebateram os assentos.
Mesmo assim, com esta réstia de pensamento, durante o trajecto de
cinquenta metros até às carrinhas, os nosso braços, mãos e ombros
foram forçados a aguentar as deformações e tensões do tubo de
plástico, dos ferros, do cavalgar mal sincronizado dos polícias.
Nesse momento, continuámos a gritar: “NO
MORE WAR. NATO GAME OVER”. A
comunicação social, filmou-nos em uníssono naquele momento de
resistência. Na carrinha, estava com os braços tão esticados e os
tubos tão para dentro que estava a sangrar. Sentia o sangue que
escorria pelo tronco abaixo. Outros activistas estavam tão
confinados ao espaço da parte traseira da carrinha e mal acomodados,
que batiam com o seu corpo e a cara no vidro da carrinha. O momento
por nós ali vivido era uma desumanidade.
Fomos
levados para a esquadra do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, ou
COMETLIS, como também se dizia, fomos encalacrados numa cela
colectiva durante dez horas. A reflexão sucedânea a toda aquela
manhã era inevitável. A polícia não obstante as suas vestes
próprias para filmar a nova sequela do Robotcop,
estava despreparada para cimeira internacional. Mesmo com os milhões
gastos para comprar os blindados com dinheiros do erário público,
que nem sequer antes nem durante o decorrer da cimeira. Chegaram
depois da cimeira. Os polícias não souberam ouvir, não souberam
agir, não conseguiram pensar, nem tão pouco proteger a integridade
física das pessoas que ali se manifestavam pela paz no mundo.
Continua...
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João Carlos Aguiar - 30 de Junho de 2014 - Lisboa, Portugal
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